segunda-feira, 30 de abril de 2012

Cut

Título Original: Cut
Título Português:
Cut 

Realizado Por: Amir Naderi 
Actores: Hidetoshi Nishijima, Takako Tokiwa, Takashi Sasano, Shun Sugata
Data:
2011
País de Origem:
Irão/Japão
Duração:
132 min.
M/16Q
Cor, Som













 I
Deixemo-nos de bailados e coreografias: Cut é uma desgraça petulante na maior parte dos seus aspectos, uma valente desilusão na mesma porção, e um terrível e total atestado de estupidez aos que o viram e aos que o criaram, demonstrando nesse processo, de erro em erro, de mal entendido em mal entendido, um preocupante caso de excessiva seriedade. Um filme tão repulsivo como este só deixa perceber os gordos lugares-comuns, as considerações simplistas e snobs do cinema independente e "puro" (parafraseando a expressão retirada dos diálogos sofríveis e vácuos do herói transgressor do filme), quando nem sequer algo de impuro há aqui, apenas uma espécie de autofagia criativa e um conjunto de saudosismos panfletários, sem qualquer tipo de conteúdo apesar de se vender, a torto e a direito, uma crítica pretensamente lúcida e profunda do estado actual da sétima arte, sendo na realidade essa avaliação tão superficial quanto o olhar enraivecido, mas académico e "perfumado", endeusado, do cinema de autor. 

II
Trata-se qualquer filme antigo como clássico, agrupa-se tudo no mesmo terreno argumentativo como se os cineastas que tanto amamos defendessem todos alguma coisa em comum (defesa essa que nunca ficamos a saber qual é), depois, esquecem-se as particularidades, as dissidências e as diferenças entre filme e filme, autor e autor (o que faz que cineastas como Ozu ou Oshima só possam aparecer na mesma frase com um franzir de sobrolho), por fim, enche-se um saco roto de generalidades e cinefilia que só pode afastar quem não se deixa navegar em tagarelices moralistas vazias. Grita-se de peito aberto pelo fim da prostituição do cinema. Predica-se até uma suprema liberdade ao cinema clássico e nada de mais errado, esquece-se categoricamente que nunca o processo de se fazer filmes foi tão livre como hoje. Se essa liberdade é um bom valor, ou é até recomendável é outra história. Não será também a falta de criatividade, a reciclagem declarada e a homenagem solene - todos predicados desta jóia independente - provas de uma excessiva liberdade? 

III
Foi uma sessão indie a todos os níveis. Só o enjoo se intensificava, não só porque a posição moralista em que o filme se posiciona não é, de todo em todo, sustentável (citam-se tantos bons e marcantes filmes, mas o que nos tem a apresentar é repetitivo e enfadonho, sem nada para dizer ou acrescentar senão uma veneração religiosa e infantil por uns tantos deuses falecidos) mas principalmente porque a alegoria, ainda que simples, podesse fazer algum sentido para quem já pegou numa câmara e conhece algumas das dificuldades do ofício (processo criativo cinematográfico visto como ser socado por financiamento, com a possibilidade de não haver retorno, no final). Toda a execução é péssima, e quando o pretensiosimo adolescente não podia piorar, eis que ainda somos sujeitos a uma lista idiota - prova afinal da visão enciclopédica, que não faz justiça a nada - dos 100 melhores filmes de todos os tempos, num tom declaradamente pseudo-visionário. Pior do que o cinema ser como uma prostituta é quando ela é uma mulher mal-educada, moralmente dúbia e duvidosa e, pior do que tudo, cinéfila, no pior sentido do termo.

IV
Com quem está Naderi a combater? Hollywood? Entertenimento pelo entertenimento? Uma coisa é a cinemateca, outra são os filmes que lá passam. Em Cut há uma substituição do realizador como portador de um olhar específico de um mundo pelo rato de cinema que está tão siderado pelo milagre de certos filmes, ao ponto de não conseguir já ter uma visão, nem mesmo, uma síntese das visões que tanto o fascinam. É um cinema que precisa do antípoda repudiado, do mau filme, do comercialismo e do entertenimento para viver, para ganhar a sua identidade, porque dos filmes que ama só os consegue ver - e por isso os enquadra todos no mesmo pedestal - por contraste, espezinhando os outros. De todos os modos, sabemos mais das prostitutas aqui do que das rainhas.

V
A quem se dirige Naderi com este estilo tão incendiário e propagandístico? À humanidade com H grande, à humanidade que não conhece os verdadeiros cineastas? A um conjunto de amantes de cultura e cinema japonês? Aquele público que o percebe, na sua completa confusão? Não. Naderi simplesmente não sabe a quem se dirigir, porque não percebeu ainda a falta de honestidade do que nos propõe. É sempre irónico como a proposta mais segura da sua seriedade acaba por ser a menos esclarecida de todas. Como filme, Cut é entendiante, como exercício teórico é mentiroso, como experiência é penoso.

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